A atual situação global com a pandemia da doença denominada COVID‑19 (ou SARS‑CoV‑2), causada por vírus do tipo coronavírus e cujo contágio, no Brasil, já se dá por via comunitária em todo o território nacional requer cuidados específicos nas relações com o consumidor. Trata‑se de uma situação excepcional, à qual o direito também deve se atentar, sem prejudicar o mercado de consumo e os fornecedores.
Lembramos que, na última sexta-feira (20), por Decreto, o Congresso Nacional reconheceu estado de calamidade pública em âmbito federal (Decreto Legislativo nº 6 de 2020). No âmbito estadual, o Governador do Estado de São Paulo, anunciou que a partir de sábado (24), todos os serviços, com exceção dos essenciais, devem permanecer fechados até 07 de abril (Decreto 64.881 de 22.3.2020).
Em razão da natureza jurídica da relação de consumo, e a proteção constitucional do consumidor, as ações do fornecedor devem ser tomadas cautelosamente e de maneira documentada.
A indicação adotada por autoridades públicas de diversos Estados brasileiro foi, portanto, de isolamento social (seguindo o entendimento do Conselho Federal de Medicina) – o que justificaria um posicionamento conservador por parte dos fornecedores, haja visto que se trata de uma situação de saúde pública. A postura seguida por Estados como Rio de Janeiro e São Paulo é, então, adequada, ordenando o que foi chamado de lock down, isto é, isolamento social completo e suspensão de serviços, fechando estabelecimentos com exceção de serviços essenciais (alguns já definidos no Decreto federal nº 10.282/2020).
Daí surgem as impossibilidades de continuidade da atividade laboral ou empresária, ao menos nos setores entendidos como não essenciais (pensando nos serviços, vez que não houve ampla restrição para a indústria). O momento gera uma frustração no mercado de consumo, tanto para o consumidor (cujos hábitos de consumos se consolidaram em nosso país há décadas), quanto para o fornecedor (ante iminente prejuízo que pode experimentar).
Em geral, as rotinas dos consumidores já se alteraram e os hábitos podem vir a mudar durante os próximos meses. Isso vai irromper uma dinâmica distinta nos fornecedores, acarretando, muitas vezes, impossibilidade de cumprir contratos ou obrigações contratuais, para além da notória diminuição de demanda.
Contudo, as demandas por consumos em áreas específicas tendem a aumentar no início dessa situação – como é o caso dos setores de alimentos, de saúde e de higiene. A situação atual, portanto, exige uma análise contratual detalhada, individualizada, pois o que se busca é a manutenção das relações contratuais.
O que o fornecedor deve buscar é, gradativamente, tentar manter a relação contratual, tentar manter as obrigações contratuais parcialmente, repactuar o contrato, ou rescindir o contrato com o menor dano possível para ambas as partes.
É possível, também, contatar os consumidores para, por prazo razoável, diferir os prazos legais do código de defesa do consumidor (seja para troca de produto, seja para garantia ou assistência técnica) ou mesmo da entrega, cujo prazo estará vinculada ao determinado quando do fechamento do negócio.
No caso de cancelamento do contrato, deve-se comprovar, ao menos contextualmente, a impossibilidade de seu cumprimento (total ou parcial), baseando-se nas teorias de força maior, imprevisão ou fato de terceiro. Essas hipóteses poderão ser entendidas como justificativa para paralização das atividades por prazo razoável. Isso deve ser ostensiva e amplamente informado (com o máximo de detalhes que uma publicidade permita) ao consumidor.
Indica‑se, no entanto, que repactue o contrato com o consumidor, expondo como único motivo a pandemia atual. Caso o consumidor negue a repactuar o contrato e a execução do contrato seja impossível, o fornecedor é obrigado a restituir o valor pago (desde que não haja também prejuízo ao fornecedor).
No caso de qualquer alteração na relação com o mercado de consumo como se prevê – seja sutil, seja drástica –, é preciso, antes de tudo, informar amplamente ao consumidor todas as consequências negociais.
Quanto aos contratos internacionais, é necessário verificar que existe a possibilidade de alegar força maior ou não dependendo da lei que rege o contrato. Diversos países cujo sistema jurídico é baseado na common law (originado no direito inglês) tendem a não aceitar a força maior, exceto quando previsto em contrato – havendo outros remédios e teorias que poderiam resolver as questões.
Ainda que se tenham noticiado o fechamento de fronteiras, tal fechamento é devido ao trânsito de pessoas e não transações negociais por portos e aeroportos (devendo ser verificados caso a caso). Tendo em vista a necessidade da manutenção da atividade industrial e de serviços essenciais, é necessário saber que são tidos como setores essenciais pelo Decreto federal: da saúde, médicos e hospitalares; segurança pública e privada; defesa nacional e civil; produção, distribuição e comercialização de produtos de higiene, saúde, alimentos e bebidas; entregas e transportes; controle de tráfego (aéreo, aquático ou terrestre); controle, prevenção e erradicação de doenças; compensação bancária e redes de cartões (débito e crédito); produção, distribuição e comercialização de combustíveis e derivados; cuidados com animais em cativeiros, entre outros.
Interessa lembrar, por fim, que para esses contratos de exportação e importação é necessário verificar se o porto (aeroporto, porto terrestre ou marítimo) está em funcionamento (pleno ou parcial), bem como se atentar às especificidades contratuais quanto às responsabilidades por entrega e recebimento de produtos.
É, portanto, imprescindível a adoção de novos cuidados ante os contratos de consumo, sempre apresentando o máximo de informações possíveis, focando (no que for permitido sem gerar danos) na manutenção necessária da atividade dos fornecedores.
Glauber Julian Pazzarini Hernandes
ghernandes@hondatar.com.br
Leonardo Prado Ribeiro
leonardo.ribeiro@hondatar.com.br