Aspectos sobre a legalidade da revogação de medidas de redução temporária do imposto de importação

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Desde a transição, as diversas equipes que compõem o novo governo têm manifestado publicamente interesse em reverter o curso de determinadas políticas então conduzidas pela Administração anterior. Os prometidos “revogaços”, que podem ser interpretados mais como medidas de ruptura, têm de fato avançado sobre áreas politicamente sensíveis, como o meio-ambiente e segurança pública, mas ainda não se concretizaram totalmente em relação aos temas afetos à agenda comercial brasileira.

Se de um lado já há inúmeras sinalizações que apontam para uma maior convergência do Brasil à integração latino-americana e ao aprofundamento das relações políticas, comerciais e diplomáticas com os BRICS, de outro o novo Governo mantém, até o momento, as reduções do imposto de importação concedidas e ampliadas nos últimos anos, incluindo aquelas cuja pertinência e essencialidade foram outrora questionadas.

Mas, ignorando as razões que levaram à redução temporária do imposto de importação para determinados produtos, persiste um questionamento importante: seria legal, ou mesmo constitucional, se os “revogaços” atingissem as medidas desoneratórias ainda vigentes?

A resposta parece – e só parece – ser óbvia e afirmativa, na medida em que o Governo Federal goza de ampla autonomia para disciplinar sobre a matéria. Afinal, o imposto de importação possui natureza regulatória e caráter iminentemente extrafiscal, não devendo respeito ao princípio da anterioridade tributária, podendo, assim, ser livremente reduzido ou majorado a qualquer tempo, dentro dos limites estabelecidos pela legislação do Mercosul.

No entanto, ao examinar os fundamentos normativos específicos que levaram a uma ou a outra redução temporária, não se pode descartar que eventual revogação da respectiva medida viole princípios constitucionais e garantias legais caros aos contribuintes.

De fato, o imposto de importação no Brasil está amalgamado à Tarifa Externa Comum (TEC), esta consensualmente definida entre os entes do Mercosul. Se a higidez da TEC reforça a ideia de união aduaneira no Cone-sul, as listas de exceção tarifária a tornam imperfeita. De modo que cada país do Bloco conta com uma série de mecanismos que permitem a perfuração unilateral da Tarifa, permitindo-os estabelecer exceções à alíquota normal do imposto de importação.

De seu turno, o Governo Federal fez e faz largo uso dessas exceções, sobretudo aquelas de caráter temporário e sobre as quais se pode ter mais ingerência política. Neste sentido, tanto a Lista de Exceções à TEC (LETEC) quanto a Lista de Desabastecimento são bons exemplos de mecanismos utilizados para atender demandas de setores considerados estratégicos. E porque são medidas temporárias, é usual que a própria Camex acabe por fixar seu prazo de vigência tão logo publicadas, não raras vezes limitando a redução do imposto ao teto definido por meio de quotas de importação.

Opera-se, assim, uma justa expectativa do contribuinte em gozar de uma redução tarifária durante um lapso temporal previamente estabelecido, o que acaba por influenciar seu planejamento fiscal, comercial e operacional, especialmente em relação às margens de negociação e escolha de fornecedores e parceiros logísticos, composição de estoques, formação de preços, prazos de produção e entrega, além, é claro, do cumprimento de acordos firmados com toda a cadeia de suprimento e consumo. Uma questão, portanto, de razoabilidade e de segurança jurídica.

Além destes preceitos constitucionais, há diversos dispositivos legais que tendem à proteção do contribuinte em face de eventuais investidas do Poder Público quando do estabelecimento de atos que resultem na majoração arbitrária de tributos. Um deles se refere à regra aplicável às isenções concedidas por prazo certo: diz o art. 178 do CTN que, nestes casos, não há margem para que a Administração Tributária venha revogá-las a qualquer tempo, subentendendo-se que faz jus o contribuinte ao benefício concedido até o término do prazo então estabelecido à benesse. Mais: ainda que a isenção não seja concedida por prazo certo, ao revogá-la, deve o Poder Público observar o princípio da anterioridade de exercício (art. 104, III, CTN).

Há quem defenda a aplicação analógica do art. 104 do CTN aos demais incentivos tributários que possuem natureza jurídico-tributária distinta. No entanto, embora as reduções temporárias do imposto de importação, a exemplo da LETEC e da Lista de Desabastecimento, não devam ser compreendidas como benefícios fiscais propriamente ditos, mas como hipóteses de redução de alíquota, parece-nos que o espírito da norma, qual seja assegurar razoabilidade, previsibilidade e segurança jurídica aos contribuintes, deve ser preservado.

Além do que a própria Constituição Federal demanda o atendimento às condições e aos limites estabelecidos em lei quando da alteração da alíquota do imposto de importação, em que pese a extrafiscalidade e autonomia próprias do Poder Executivo. Por esta concepção, o eventual descumprimento do prazo de vigência previamente estabelecido para as reduções temporárias pode ser interpretado como violação ao princípio da estrita legalidade tributária, porquanto desrespeitadas as condições previamente firmadas em lei pela própria Autoridade Fiscal quando do estabelecimento do prazo de vigência da referida desgravação.

Por esta lógica, então, não poderia o Poder Executivo simplesmente revogar as reduções temporárias do imposto de importação antes do término de sua vigência, sob pena de a medida ser considerada ilegal ou mesmo inconstitucional, tendo o importador o direito à alíquota reduzida pelo tempo e condições definidas pela Camex.

É claro que cada caso deve ser compreendido dentro de suas particularidades, sopesando as circunstâncias fáticas e normativas que o permeiam. Quer dizer, seria eventualmente razoável admitir, por exemplo, a revogação de medida amparada pela Resolução GMC nº 49/19 ante o término da situação de desabastecimento que ensejou sua aplicação; ou a revogação de ex-tarifário de bem de capital concedido ao amparo da Portaria ME nº 309/2019, cuja produção nacional equivalente foi constatada a posteriori da redução tarifária.

De todo modo, desde já é possível definir alguns limites que a nova Administração deverá respeitar caso proceda com os “revogaços” sobre as medidas de desgravação temporária do imposto de importação em vigor. Descumpri-los implicaria, em última análise, desfalcar a segurança jurídica que deve permear a relação entre Fisco e contribuintes, esta sim sempre passível de ser reparada judicialmente.

A área de Comércio Internacional do HONDATAR Advogados permanece à disposição para auxiliar as empresas e entidades de classe que desejarem maiores informações sobre o assunto.

 

Rita de Cássia Correard Teixeira

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Felipe Rainato Silva

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