Um processo de desapropriação que começou em 1969 e somente foi efetivado 30 anos mais tarde levou a papeleira familiar Manikraft, dona das tradicionais marcas de papel higiênico Mirafiori e Primavera, a entrar na Justiça contra o Departamento de Águas e Energia e Energia Elétrica (DAEE), autarquia do Estado de São Paulo.
A empresa pede ressarcimento de R$ 100 milhões por benfeitorias que foram executadas na fábrica de Suzano (SP) até 2008, quando finalmente o governo paulista decidiu seguir em frente com o projeto de inundação da área, para construção da represa de Taiaçupeba, que faz parte do Sistema Alto Tietê, e pagou a indenização. Com isso, a empresa pôde deixar o local.
Pela desapropriação, a Manikraft recebeu o equivalente hoje a R$ 35 milhões, em pagamentos parcelados feitos pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e posteriormente pela Sabesp, companhia de saneamento do Estado. O projeto público, alega a empresa, ainda não foi executado integralmente e o longo e mal conduzido processo de desapropriação trouxe prejuízos relevantes a ela, como a perda do posto de segunda maior fornecedora de papéis para fins sanitários (tissue) do Brasil.
Hoje, a empresa tem uma única fábrica, em Guaianazes, na zona leste de São Paulo, comprada em 1964. Com ela, ficou conhecida nacionalmente pelo papel higiênico rosa da marca Primavera. A Manikraft não divulga faturamento.
Caso vença a disputa com o DAEE, o plano é usar os recursos para instalar uma nova unidade fabril. Essa também era a estratégia em 1971, dois anos após a primeira notificação oficial de desapropriação. Naquele momento, a empresa chegou a pedir financiamento para comprar uma máquina maior de papel, com capacidade para 80 toneladas por dia – hoje a empresa pode produzir cerca de 180 toneladas ao dia
Mas, em 1972, o DAEE informou que a fábrica de Suzano não seria mais desapropriada. Quatro anos depois, o Estado alterou o projeto e decidiu pela construção de um dique ao redor da unidade, que conciliaria obra e fábrica. Nova decisão veio em 1978, quando o então governador Paulo Egydio Martins retomou a ideia de expropriação.
A mudança no comando do Executivo estadual levou a mais uma reviravolta no processo e, em 1980, o então governador Paulo Maluf decidiu pela permanência da fábrica no local. Já em 1983, o governador André Franco Montoro solicitou novamente a desapropriação da área, em processo que se arrastou até 2008.
De acordo com o advogado Antonio Carlos Ferreira de Araújo, do escritório Honda, Teixeira, Araujo, Rocha Advogados, em 1983 foi finalmente feita uma avaliação e a expectativa da Manikraft era receber o valor no ano seguinte. No entanto, o pagamento veio na forma de depósitos parciais, que foram contestados judicialmente por causa da elevada inflação à época.
Foram necessários 25 anos para que o valor integral chegasse à empresa e pouco antes de entregar a área, em 2008, novo laudo foi produzido, apontando as benfeitorias ali executadas.
Em resposta ao Valor, o DAEE informou, por meio de assessoria de imprensa, que a Manikraft “deveria se abster de novos investimentos naquela unidade” a partir do momento em que houve a comunicação oficial, ou seja, em 1969. “O intervalo de tempo entre a declaração de utilidade pública e o início das obras de construção da barragem do Taiaçupeba e implantação do reservatório, em 1975, foi decorrente da demora na obtenção da imissão de posse da área da indústria da Manikraft”, informa a autarquia.
Os valores investidos em benfeitorias, porém, não foram cobertos pela indenização inicial e, para reavê-los, a Manikraft entrou em 2011 com uma ação na 1ª vara da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo, pedindo ressarcimento de cerca de R$ 100 milhões em valores atualizados – com base na perícia feita há quase 10 anos, o pedido original foi de R$ 31,6 milhões. A empresa sofreu derrotas na primeira e na segunda instâncias e, recentemente, o processo chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio de dois recursos que apresentou.
Para Araújo, fatores políticos pesaram nas decisões desfavoráveis à empresa na Justiça paulista, no momento em que o Estado enfrentava a pior crise hídrica. Com a chegada do processo aos tribunais superiores, a expectativa é a de que o julgamento seja técnico
Fonte: Valor Econômico