Por Eduardo Soares de Melo, artigo publicado A Lei Complementar 1.320/2018, que instituiu o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária (“Nos Conformes”) no estado de São Paulo, objetiva, entre outros, promover o adimplemento espontâneo das obrigações tributárias atinentes ao ICMS, diminuir o grau de litigiosidade nas esferas administrativa e judicial e melhorar o relacionamento entre o Fisco estadual (SP) e o contribuinte. Louvável a intenção de prestigiar o bom pagador com tratamento diferenciado relacionado ao crédito acumulado, renovação de regime especial, pagamento do ICMS-Importação, restituição ICMS-ST etc. Em contrapartida, o devedor contumaz estará sujeito a regime especial de ofício para o cumprimento de obrigações tributárias. O regime poderá implicar no dever de fornecimento de informações periódicas, na necessidade de autorização prévia para a emissão e escrituração de documentos fiscais, na sujeição a plantão fiscal permanente, entre outros. O novo modelo de gestão tributária, que mobiliza dedicados agentes públicos de diferentes setores da Sefaz-SP, ainda depende de regulamentação. No entanto, específicas regras contidas na LC 1.320/2018 e a operacionalização de algumas normas permitem algumas considerações, com viés prático. A “transparência”, um dos valores jurídicos que norteiam o “Nos Conformes” e que consiste na publicidade de informações, já figurou na elaboração do projeto de lei, através da realização de audiências públicas com convocação da sociedade. Igualmente oportuna a criação de específicos critérios jurídicos para a classificação dos contribuintes em seis grupos (“A+” a “E”, além do “NC”). Trata-se da “aderência” (relação, definida em percentuais, entre os documentos fiscais emitidos e recebidos pelo contribuinte e as escriturações e declarações realizadas) e da “adimplência” (tempo de atraso no recolhimento do tributo) porque se referem a comportamento que só depende do contribuinte (não envolve terceiro). Contribuintes têm sido informados (via e-mail) sobre suas classificações com base nos aludidos critérios, no documento “Detalhes da Classificação por Critério”. A ausência, ao menos por enquanto, de maior detalhamento sobre a classificação deverá ser suprida após solicitação de esclarecimentos do contribuinte, a quem é assegurado o acesso aos próprios dados, inclusive mediante concessão de habeas data, direito consagrado na Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, inciso LXXII, alínea “a”). Conferirá ao contribuinte certeza acerca da natureza e quantidade de documentos analisados no período, afastando eventual exame de documentos por amostragem. Questão sensível diz respeito ao critério de classificação com base no perfil dos fornecedores mercadorias e prestadores de serviços alcançados pelo ICMS. Realmente (i) ao contribuinte não fora atribuído o poder de polícia de cunho fiscalizatório (permitindo acesso aos documentos fiscais e contábeis de terceiros), até porque não há hierarquia entre particulares; (ii) a fiscalização é atividade vinculada artigo 78 e 142, do Código Tributário Nacional (CTN) , não podendo ser transferida ao contribuinte; e (iii) o artigo 199 do CTN possibilita, até mesmo, que a Fazenda Pública estadual obtenha informações de contribuintes localizados em outras unidades federativas. O contribuinte não tem condições de fiscalizar seus “n” fornecedores, porquanto a classificação desses é influenciada pelo perfil daqueles que, por exemplo, lhes forneceram mercadorias na etapa anterior da cadeia produtiva (e assim, sucessivamente, desde o início do ciclo mercantil). Ademais, não há como controlar o comportamento do fornecedor que, após determinado período, poderá surpreender negativamente o adquirente de mercadoria com nova (pior) classificação. Sugere-se a inclusão de cláusula contratual prevendo essa circunstância (vislumbrando, até mesmo, a rescisão do contrato), pois a má classificação poderá trazer consequências danosas (não fruição de contrapartidas, sujeição a regime especial de ofício, condições contratuais menos vantajosas etc.). Todavia, a divulgação de ranking dos contribuintes incentivará a transação comercial entre aqueles bem classificados (evitando-se a celebração de negócios com devedores contumazes), escopo da LC 1.320/2018. Aconselhável, portanto, a adoção do critério (perfil do fornecedor) com cautela, atribuindo ao mesmo peso significativamente inferior àqueles conferidos aos critérios da “aderência” e da “adimplência” (observe-se que a classificação do contribuinte decorrerá da análise conjunta combinação dos três aludidos critérios). Requer cuidado a utilização do ranking para fins diversos da norma, como na licitação ou na lavratura de auto de infração envolvendo contribuinte inidôneo (em que o ranking faria as vezes do Sintegra ou do Cadesp, documentos esses considerados para a autuação, quando informa situação irregular daquele com quem o contribuinte perfaz negócio jurídico). A notificação para autorregularização, por sua vez, é oportunidade ímpar ao contribuinte porque não configura início de ação fiscal. Exclui a penalidade como se fosse denúncia espontânea (como se o contribuinte tivesse procurado a repartição fiscal, se antecipando à fiscalização). No entanto, revela-se mais adequada a notificação que, ao invés de apenas solicitar o estorno do crédito do ICMS em negócio com contribuinte inidôneo, dê a possibilidade de apresentação de documentos que comprovem sua boa-fé na realização da operação mercantil, nos moldes da Súmula 509 do STJ e dos reiterados julgados do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. A medida prestigiará a transparência, a boa-fé (valores na LC 1.320/2018) e construirá ambiente de confiança recíproca entre Fisco e contribuinte. Reduzirá, assim, litígios. O programa “Nos Conformes” é bem-vindo e o seu sucesso dependerá do comprometimento da administração pública e dos contribuintes. Eduardo Soares de Melo é advogado do Honda, Teixeira, Araujo, Rocha Advogados, professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e juiz da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. |