Opinião Jurídica: Glauber Julian Pazzarini Hernandes – Sócio-diretor, responsável pelas áreas Cível e Societária.
A Lei nº 14.451/2022 trouxe mudanças significativas para as sociedades limitadas, especialmente ao simplificar os quóruns exigidos para deliberações sociais. O art. 1.076 do Código Civil foi alterado, com a revogação do inciso I, que exigia ¾ do capital social para alterações contratuais, fusão, incorporação e dissolução, sendo essas transferidas para o inciso II, agora se exigindo quórum mínimo para deliberação dessas matérias de mais da metade do capital social. Já o art. 1.061 passou a exigir 2/3 dos sócios para designação de administradores não-sócios antes da integralização do capital e mais da metade após a integralização do capital social. Contudo, contratos sociais com previsões específicas, como quóruns superiores, prevalecem sobre a nova legislação, conforme entendimento do TJSP no Agravo nº 2134449-55.2023.8.26.0000, que destacou a força da cláusula contratual, reforçando a importância de estipular de forma clara e específica, os quóruns mínimos no contrato social, evitando conflitos gerados por mudanças legislativas.
Integra do artigo:
- Impactos da Lei nº 14.451/2022 nas sociedades limitadas.
A Lei nº 14.451/2022 trouxe grandes impactos para as sociedades limitadas, dentre os quais se destaca a simplificação do quórum mínimo exigido para as deliberações da Sociedade. Antes da aprovação da Lei nº 14.451/2022, o Código Civil em seu art. 1.706, inciso I, previa que as deliberações dos sócios seriam tomadas por no mínimo ¾ do capital social, para as matérias relativas a: alteração do contrato social e a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação da sociedade[1].
A referida lei também alterou o inciso II do mesmo artigo que, antes de sua vigência, o quórum mínimo exigido para deliberação dos sócios seria de mais da metade do capital social, para as matérias relativas a: a designação dos administradores, quando feita em ato separado; a destituição dos administradores; o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; o pedido de concordata [2].
Além disso, é importante salientar que, no tocante a designação de administradores não-sócios, o Código Civil previa que era necessária a aprovação unânime dos sócios, quando o capital não estiver integralizado, e 2/3 no mínimo, após a integralização do capital.
Após aprovação da Lei, ocorreram alterações de grande importância nos artigos supramencionados, vejamos:
A começar pelo artigo 1.061 do Código Civil, a lei modificou o quórum mínimo exigido para a designação de administradores não-sócios. Agora, exige-se a aprovação mínima de 2/3 dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e da aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, após a integralização do capital social [3].
Observa-se que a alteração para a designação de administradores não-sócio tornou-se mais rigorosa. Anteriormente, exigia-se a unanimidade dos sócios, enquanto não integralizado o capital, e de 2/3, quando integralizado o capital. Com a mudança, passou-se a exigir 2/3 dos sócios, enquanto não integralizado o capital, para mais da metade do capital social, após sua integralização.
Essa alteração trouxe impactos significativos na forma de distribuição do capital social, no tocante ao poder decisório. Em matérias onde o sócio minoritário poderia ter uma participação maior, como é o caso da designação de administrador não-sócio, após a vigência da lei sua participação passou a ser reduzida em favor do sócio majoritário.
Além disso, a lei trouxe importantes alterações nos incisos do artigo 1.076 do Código Civil, que dispõe sobre as deliberações sociais, vejamos:
O inciso I fora revogado pela lei, eliminando a exigência do quórum mínimo de ¾ do capital social para as matérias de alteração do contrato social e a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação da sociedade. Tais matérias foram transferidas para o inciso II, que passou a exigir o quórum mínimo de mais da metade do capital social.
O inciso II, além das matérias relativas à designação dos administradores, quando feita em ato separado, a destituição dos administradores, o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato, o pedido de concordata, também passou a dispor sobre as matérias previstas no inciso I, revogado, passando a ser exigido o quórum mínimo de mais da metade do capital social para essas deliberações.
Vejamos a tabela a seguir que demonstra com mais clareza as alterações nos dispositivos acima:
Antes da Alteração do art. 1.061 C.C | Após Alteração do art. 1.061 C.C | ||
Designação de Administrador Não-Sócio (antes da Integralização do Capital Social) | por unanimidade dos sócios | Designação de Administrador Não-Sócio (antes da Integralização do Capital Social) | no mínimo 2/3 do capital social |
Designação de Administrador Não-Sócio (após a Integralização do Capital Social) | no mínimo 2/3 do capital social | Designação de Administrador Não-Sócio (após a Integralização do Capital Social) | mais da metade do capital social |
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Antes da Alteração do art. 1.076 C.C | Após Alteração do art. 1.076 C.C | ||
Alteração do contrato social; e Incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação da sociedade | no mínimo ¾, ou 75% do capital social | Alteração do contrato social; e Incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação da sociedade | mais da metade do capital social (maioria absoluta). |
Designação dos administradores, quando feita em ato separado; a destituição dos administradores; o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; o pedido de concordata. | mais da metade do capital social (maioria absoluta). | Designação dos administradores, quando feita em ato separado; a destituição dos administradores; o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; o pedido de concordata. | mais da metade do capital social (maioria absoluta). |
É importante destacar que, com as alterações trazidas pela lei, muitos contratos sociais que faziam menção expressa ao quórum mínimo às matérias correlatas com base nos artigos alterados pela Lei nº 14.451/2022, podem sofrer impactos significativos em futuras deliberações da sociedade. Isto é, aqueles contratos sociais cuja previsão se baseiam em, por exemplo: “As deliberações dos sócios só poderão ser efetivadas com a aprovação dos sócios quotistas, nos termos da legislação vigente”, podem enfrentar mudanças na prática decisória da sociedade, dependendo das novas disposições legais.
Neste sentido, cumpre destacar o entendimento da 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que no Agravo de Instrumento de nº 2134449-55.2023.8.26.0000, analisou a temática em que, os Sócios da Empresa Agravante instauram uma reunião, comparecendo os sócios titulares de 51% das quotas sociais, para proceder com à alteração do Contrato Social da Sociedade.
Em síntese, os sócios que convocaram a reunião para alteração do contrato social, justificaram ao juízo em primeira instância a validade desta alteração com base no inciso II, do artigo 1.076 do Código Civil, modificado pela Lei nº 14.451/2022, que passou a exigir o quórum mínimo dos sócios correspondente a mais da metade do capital social para alteração do capital social, conforme visto anteriormente.
Contudo, a Empresa Agravante demonstrou que os sócios induziram o Juízo de primeira instância a erro, tendo em vista que os sócios omitiram a previsão da cláusula prevista no Contrato Social que se exigia a aprovação mínima dos sócios correspondente a 75% do capital social para deliberações relativas à alteração do contrato social.
A turma julgadora fez um grande destaque no sentido de que, a nova redação trazida pela Lei nº 14.451/2022 não deve se sobrepor ao previsto no Contrato Social da sociedade que expressamente previa o quórum mínimo de 75%. Vejamos:
“(…) Mas não foi feita apenas remissão ao texto legal, e sim, foi estabelecido expressamente o “quórum” de 75% para as modificações do contrato social. Assim, pouco importa o novo texto legal, pois o “quórum” foi estabelecido em regra contratual que, por sua vez, decorreu da vontade dos sócios, que deve ser obedecida. (…) Nesse contexto, tendo em vista que há expressa menção ao percentual no Contrato Social, escorreita a r. decisão que determinou que as deliberações relativas às alterações do Contrato Social observem o “quórum” de 75% (…)”. (grifo nosso)
Além disso, cumpre destacar o Recurso Especial de nº 1.987.947 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que tratou sobre o Mandado de Segurança em face da Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP), em razão da negativa da JUCESP no arquivamento do instrumento que aumentava o capital social da Sociedade.
Em síntese, o Impetrante protocolou pedido de registro de Ata de Reunião de Sócios e Alteração e Consolidação do Contrato Social que deliberava sobre o aumento do capital social da Sociedade. O aumento do capital social da sociedade foi subscrito pelo Sócio Majoritário da Sociedade, sendo negado pela JUCESP, com a justificativa de não atendimento do quórum mínimo para instauração de Reunião de Sócios, com base no artigo 1.076, II, do CC.
Os fatos ocorreram em 2017, isto é, antes da vigência da Lei nº 14.451 que só ocorreu em 2022. A Sociedade era composta por 2 (dois) sócios, com a seguinte distribuição do capital social: o sócio majoritário, era detentor de 62,50% (sessenta e dois e meio porcento) das quotas correspondente ao capital social e o sócio minoritário era detentor de 37,50% (trinta e sete e meio porcento) das quotas correspondente ao capital social.
Em decisão do Recurso Especial, o Ministro João Otávio de Noronha destacou que a alteração do contrato social da sociedade, deveria seguir a redação do artigo anterior a vigência da Lei nº 14.451, que pela regra do inciso I, do artigo 1.076, a deliberação para alteração do contrato social deveria ser tomada pelo voto correspondente a ¾ ou 75%, do capital social. Neste sentido, vejamos trecho da decisão do Ministro:
“(…) Ainda que não seja possível extrair do art. 1.071 do CC que, de fato, o aumento do capital social exija, expressamente, deliberação por meio de quórum qualificado, é certo que a referida alteração enseja a modificação do contrato social. (…) Assim, de acordo com a exegese do art. 1.076, II, do Código Civil vigente à época dos fatos, para a aprovação de modificação do contrato social, são necessários, no mínimo, os votos correspondentes a três quartos do capital social. (…) observa-se que a maioria do capital de (…) não corresponde à participação societária referente ao quórum qualificado de 3/4 do capital. Desse modo, a deliberação pelo aumento do capital social, unicamente pelo sócio majoritário, descumpre a legislação sobre o tema e impede, por conseguinte, o registro da ata de da Ata de Reunião e da Alteração Contratual datadas de 12/3/2017, o que corresponde à manutenção do decidido pelo Tribunal de origem (…)”. (grifo nosso)
Por fim, pode-se concluir que a Lei nº 14.451/2022, trouxe importantes alterações quanto à modificação do quórum mínimo exigido para as deliberações nas sociedades limitadas, haja vista que as sociedades constituídas antes da vigência da referida lei e que façam menção ao artigo 1.076 do Código Civil para determinar as regras para alterações contratuais e demais deliberações, podem gerar insegurança jurídica e dúvidas em quais critérios aplicar.
Vejamos a importância de estabelecer no escopo do Contrato Social da Sociedade, a previsão clara e específica do quórum mínimo para as deliberações sociais, incluindo as que determinam sobre a alteração do Contrato Social. Uma redação genérica com menção apenas a legislação vigente, podem estar sujeitas a conflitos e prejuízos decorrentes da aprovação de novas leis, como ocorreu com a Lei nº 14.451/2022, que modificou os dispositivos relacionados ao quórum deliberativo.
A Equipe do Societário do Hondatar Advogados fica à inteira disposição para auxiliar na revisão do Contrato Social e realizar as adequações necessárias para garantir a segurança jurídica de sua empresa.
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Glauber Julian Pazzarini Hernandes
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Raphael Diniz Macedo