O comércio internacional vive um momento de transformação marcado pela intensificação das disputas comerciais, pelo aumento de medidas protecionistas e crescente politização das relações econômicas entre os países. Nesse contexto da Guerra comercial iniciada pela proposta de taxação pelo presidente do Estados Unidos, Donald Trump, o Brasil, na condição de exportador de commodities e produtos agroindustriais, passou a enfrentar desafios cada vez mais complexos para garantir o acesso de seus produtos a mercado estratégicos. Como resposta e esse ambiente internacional mais hostil, foi sancionada a Lei nº 15.122, que trata da adoção de contramedidas às barreiras comerciais impostas às exportações brasileiras.
A medida criada pelo Senado possui maior importância na proteção da economia da indústria e do comércio exterior. Entretanto, a Lei criada ainda deixa muitas dúvidas sobre sua efetividade, uma vez que é vaga ao tratar do que é (e do que não é) barreira comercial, além de prever ritos engessados ou lentos no contexto das disputas tarifárias. Ademais, é preciso entender o limite do escopo da retaliação, o que pode colocar em xeque a posição do Brasil perante o Mercosul.
A Lei 15.122 tem origem no projeto de lei nº 2.088/2023, de autoria do Senador Zequinha Marinho (PL/BA), que inicialmente pretendia alterar a Lei nº 12.187/2009, instituindo a obrigação de que produtos importados atendessem aos padrões ambientais brasileiros para serem comercializados no país.
A proposta original surgiu como uma resposta a exigências ambientais rigorosas, especialmente por parte dos países da União Europeia, que dificultava o acesso de produtos brasileiros a esses mercados. O objetivo era proteger a competitividade nacional ao exigir dos importados o mesmo grau de conformidade. Embora a medida inicial tivesse seu mérito, ela poderia causar mais problemas do que resolvê-los: a própria rigidez da legislação ambiental brasileira, quando comparada com a de outros países, funcionaria como um empecilho a mais para o ingresso de matérias-primas e bens essenciais ao funcionamento da indústria nacional.
Assim, com o início do segundo mandato de Donald Trump e o avanço das tensões comerciais globais, o projeto foi redesenhado a partir do substitutivo apresentado pela Senadora Tereza Cristina (PP/MS), na tentativa de proteger a economia dos efeitos das crescentes medidas unilaterais adotadas pelo governo americano. O espírito da norma é legítimo: defender a soberania comercial do Brasil e reequilibrar relações econômicas quando houver abuso. No entanto, como toda iniciativa desenvolvida a toque de caixa, a nova legislação carrega uma série de imprecisões que podem comprometer a sua efetividade, ou mesmo gerar ruídos diplomáticos desnecessários.
Um dos principais problemas está na falta de clareza sobre o que exatamente caracteriza uma “barreira comercial” para fins de retaliação. A redação da lei abre brechas perigosas: conceitos vagos como “ações que interfiram nas escolhas legitimas e soberanas do Brasil” ou que “prejudiquem benefícios concedidos ao Brasil sob qualquer acordo comercial” podem ser interpretados de forma ampla demais. Na prática, isso abre margem para a aplicação de contramedidas em resposta a ações legítimas de outros países, colocando o Brasil em rota de colisão com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de compromissos comerciais multilaterais.
Outro ponto delicado é o procedimento previsto para aplicação dessas medidas. Embora a lei preveja etapas que garantam um amplo debate na sociedade, como a realização de consulta pública e análise de impacto, o risco é que o processo se torne burocrático demais diante da urgência que situações de guerra comercial demandam. Também não se pode descartar a utilização massiva do mecanismo para fins corporativos, diminuindo a capacidade do Executivo de atuar de forma assertiva em função das necessidades mais graves. Em contextos voláteis, tais problemas podem custar caro.
Por outro lado, é bastante positivo que o texto tenha buscado elevar o papel das negociações diplomáticas como um recurso para solução de conflitos, tornando as contramedidas um assunto do Estado e não de governo. A lei também foi feliz em desencorajar a adoção de retaliações tarifárias diretas, de modo a evitar a escalada de tarifas e garantir a integridade da Tarifa Externa Comum do Mercosul e a unidade do Bloco.
Por fim, é preciso reconhecer que a Lei nº 15.122/2025 inaugura uma nova fase da política comercial brasileira. Agora, o país dispõe de um instrumento jurídico claro (ainda que com falhas) para reagir a barreiras abusivas, de forma descolada do Mercosul. No momento, o maior desafio é regulamentar com sabedoria. O Executivo terá a missão de transformar a intenção política em norma eficaz, sem ferir compromissos internacionais, sem abrir espaço para corporativismo e, principalmente, sem perder de vista que o Brasil continue precisando de pontes, não de muros, para ampliar sua inserção global.
A área de Comércio Internacional do HONDATAR Advogados permanece à disposição para auxiliar as empresas e entidades de classe que desejarem maiores informações sobre o assunto.
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Felipe Rainato Silva