Desde a promulgação da Constituição Federal de 1998, a Seguridade Social é financiada por contribuições sociais pagas pelos empregadores, segurados, as incidentes sobre as receitas arrecadadas pelos concursos de prognósticos e, após a edição da EC 42/2003, as incidentes sobre importação de bens ou serviços do exterior (art. 195, incs. I a IV).
Dentre estas fontes de financiamento, a contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários pagas pelo empregador aos seus colaboradores (a chamada contribuição patronal), sempre foi alvo de críticas da sociedade civil, já que a sua extensa base de cálculo e elevada alíquota costuma ser apontada (não sem razão) como um dos principais ônus tributários das empresas e um óbvio inibidor da geração de novos postos de trabalho.
Para contornar esse problema, a Lei 12.546, de 14 de dezembro de 2011, instituiu o chamado Plano Brasil Maior, que contemplava um pacote de medidas de desoneração dos encargos tributários e trabalhistas suportados pelos contribuintes. A principal delas, foi a criação de um modelo alternativo de financiamento da Previdência Social, que se tornou conhecido pela alcunha de “desoneração da folha de salário” (ou apenas CPRB), e que permitia que empresas com alto índice de empregabilidade passassem a apurar e a recolher suas contribuições patronais não mais sobre a remuneração dos seus colaboradores, mas sim sobre suas respectivas receitas.
De 2011 para cá, este regime sofreu diversas alterações e adaptações, dentre elas a introduzida pelas Leis 12.715/2012 e 12.844/2013, que nele incluíram outros setores de intensiva mão-de-obra; a Lei 13.161/2015, que tornou a adesão ao modelo alternativo uma opção (e não mais uma imposição) do contribuinte, e que também elevou o intervalo de alíquotas de 1% e 2% para 2,5% e 4,5%; a Lei 13.670/2018, que fixou a sua vigência até 31/12/2020; a Lei 14.020/2020, que a prorrogou até 31/12/2021; e a Lei 14.288/2021, que estendeu novamente sua validade para 31/12/2023.
No último dia 25/10, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 334/2023, de iniciativa do Senador Efraim Filho (União/PB), que prorrogou a CPRB para 31/12/2027. No entanto, em 23/11, exercendo o direito que lhe foi atribuído pelo art. 66, § 1º da Constituição Federal, o Presidente da República decidiu rejeitar integralmente o referido projeto, por meio da veiculação do Veto 38/2023 e Mensagem 619/2023.
Contudo, dias depois e no âmbito do sistema de freios e contrapesos inerente a um Estado Democrático de Direito, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial, tanto na Câmara dos Deputados (378 votos contra 78), quanto no Senado Federal (60 votos contra 13).
A derrubada do veto pelo Poder Legislativo provocou o encaminhamento do PL 334/2023 para promulgação presidencial e a sua convolação na Lei 14.784, de 27/12/2023, comando normativo que, enfim, garantiu a manutenção da validade da CPRB até 31/12/2027.
No entanto, o Governo Federal não se deu por vencido e, um dia depois, editou a Medida Provisória 1.202/2023, que, entre outras deliberações, estabeleceu a completa extinção da CPRB a partir de ABR/2024, acompanhada da elevação gradual ou do retorno integral da incidência da contribuição previdenciária patronal incidente sobre a folha de salário acompanhada.
Concretamente, as empresas que exercem as atividades relacionados nos Anexos I e II da MP 1.202/2023, poderão recolher a contribuição previdenciária sobre a folha de salário, mediante a aplicação de alíquotas que variam de forma progressiva entre 10% (ao longo de 2024) e 18,75% (no ano de 2007), incidente sobre o salário de contribuição do segurado até o valor de um salário-mínimo, sujeitando-se à alíquota de 20% sobre o montante que ultrapassar esse limite.
Pelo raciocínio inverso, conclui-se que, a partir de 01/04/2024, as empresas que não foram incluídas em nenhum dos dois Anexos da MP 1.202/2023 voltarão a se sujeitar à contribuição patronal sobre a folha de salário, a uma alíquota de 20%, nos termos do art.22, inc. I da Lei 8.212/1991 (Lei de Custeio da Previdência Social).
A reoneração dos encargos previdenciários sobre a folha de salário, a partir da extinção gradual da CPRB, não apenas é um movimento contraditório com as medidas de incentivo e estímulo ao emprego introduzidas em 2011, pelo próprio Partido que atualmente ocupa a Chefia do Executivo, como também estabelece uma tensão desnecessária com o Poder Legislativo, que há poucos dias, como se destacou acima, aprovara a Lei 14.784/2023, no sentido exatamente contrário ao da MP 1.202/2023.
Os contribuintes que se sentirem prejudicados com o retorno da contribuição patronal tradicional, poderão se valer do Poder Judiciário através da medida judicial adequada, preferencialmente acompanhada do depósito judicial dos valores devidos a título de CPRB, de modo a preservar as suas respectivas opções por este regime tributário ao longo do exercício de 2024.
Para tanto, vislumbramos os seguintes vícios na MP 1.202/2023 passiveis de questionamento judicial: (i) ausência de urgência e relevância que justificasse a veiculação desta matéria através de Medida Provisória (tanto assim, que a previsão da prorrogação da CPRB se por intermédio de Projeto de Lei de iniciativa do Senado Federal); (ii) ofensa ao princípio constitucional da isonomia, vez que as empresas não mencionadas no Anexos I e II da referida MP não terão o direito à progressividade gradual das alíquotas da contribuição previdenciária sobre a folha de salário; (iii) ofensa ao princípio da segurança jurídica, na medida que a nova regra subverte a expectativa da manutenção da CPRB até 2027.
Estes são os esclarecimentos.
As equipes do Tributário Contencioso e Trabalhista/Previdenciária do Hondatar Advogados permanecem à disposição para auxiliar as empresas e entidades de classe que desejarem mais informações sobre o assunto.
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Renata Souza Rocha – Contencioso
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Régis Pallotta Trigo – Contencioso
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Fábio Abranches Pupo Barboza – Trabalhista/Previdenciário