Com a criação da Delegacia Especializada de ITCMD, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (“Sefaz/SP”) visa desburocratizar os procedimentos relacionados a esse imposto e se valer de importante instrumento para o combate à evasão fiscal. Esse fato, aliado a recentes entendimentos do Tribunal de Impostos e Taxas (“TIT”), pode colocar um prazo de validade na economia tributária alcançada com projetos de planejamento patrimonial e sucessório que englobam bens e direitos localizados no Estado de São Paulo.
Ainda que não seja o fim principal de uma estrutura como a mencionada acima, o uso correto das ferramentas legais possibilita redução dos encargos incidentes. Explicamos.
Quando uma pessoa física possui, ao mesmo tempo, herdeiros e bens pessoais em seu próprio nome, é comum surgirem preocupações relativas à partilha, relacionamento entre herdeiros e seus cônjuges, divisão do patrimônio familiar construído durante a vida dos genitores (não raro, com muito sacrifício), venda a terceiros dos negócios da família por falta de interesse dos descendentes na sua continuidade etc.
Uma alternativa muito utilizada para resolver ou reduzir essa preocupação é a constituição de uma sociedade holding, na qual é aportado o patrimônio dos genitores, seguida da doação das quotas/ações aos herdeiros com reserva de usufruto em benefício dos doadores, com direitos econômicos e/ou políticos. Em seguida, celebra-se Acordo de Sócios com rígidas regras de governança e diretrizes para administração do patrimônio social (entenda-se “do patrimônio familiar”). Assim, fica resguardado o controle da estrutura por seus “construtores” até que venham a falecer, e mesmo depois.
E para que essa estrutura de planejamento se justifique economicamente, é importante comparar seus custos com aqueles incorridos em um processo sucessório normal, por inventário. Utilizemos como referência um imóvel na cidade de São Paulo/SP:
- Valor de aquisição pela pessoa física: R$ 1.000.000,00 (Valor informado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda – “DAA”);
- Valor Venal: R$ 1.200.000,00 (Utilizado no cálculo do IPTU1);
- Valor Venal de Referência: R$ 1.600.000,00 (Utilizado no cálculo dos impostos incidentes na transmissão de propriedade, a saber, ITBI2 em caso de venda, e ITCMD3 em caso de doação ou inventário).
Regra geral, em caso de falecimento dos genitores, os bens imóveis são partilhados aos herdeiros em processo de inventário. A transferência da propriedade do imóvel acima aos herdeiros está sujeita à alíquota de 4%4 calculada sobre o Valor Venal de Referência. Portanto, o imposto devido será de R$ 64.000,00.
Todavia, caso os genitores optem pela estrutura de planejamento sucessório e patrimonial, o procedimento é o seguinte:
- Constituição da holding e aporte do imóvel ao seu capital – esse movimento não está sujeito à incidência de tributo caso a sociedade receptora não possua atividade imobiliária preponderante5. Mas se a sociedade receptora possuir atividade imobiliária preponderante, deverá ser recolhido ITBI à alíquota de 3%6 calculada sobre o Valor Venal de Referência, gerando, portanto, um tributo de R$ 48.000,00;
- Doação das quotas/ações aos herdeiros com reserva de usufruto em favor dos doadores – essa doação também está sujeita à tributação pela alíquota do ITCMD de 4%7, porém terá outra base de cálculo.
O artigo 23, da Lei Federal nº 9.249/95, estabelece que as pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado. Assim, optando-se pelo aporte pelo valor informado na DAA, ou seja, o custo de aquisição8, a holding receberá o imóvel por R$ 1.000.000,00 e assim registrará o ativo em sua contabilidade. Lembrando que, se a sociedade receptora não possuir atividade imobiliária preponderante, não haverá tributação nesse movimento.
O ato subsequente de doação das quotas/ações considerará o seu valor patrimonial como base de cálculo do imposto incidente sobre a doação, o ITCMD. E aqui reside a economia da estrutura, pois a legislação estabelece que a base de cálculo da doação de tais bens é o seu valor patrimonial, apurado no balanço contábil.
Lei Estadual nº 10.705/2000
Artigo 14 – No caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9º, 10 e 13, a base de cálculo é o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo.
(…)
- 3º – Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitir-se-á o respectivo valor patrimonial. (grifo nosso)
Se (i) o registro contábil do imóvel equivale ao valor do custo de aquisição do sócio que o aportou, (ii) a sociedade não possui receita ou essa é inexpressiva, então o valor do patrimônio líquido será muito próximo ao dos ativos. Em outras palavras, o valor patrimonial das quotas/ações será igual ou muito próximo ao valor do aporte do imóvel (= custo de aquisição), ou seja, R$ 1.000.000,00.
Assim, caso a totalidade das quotas/ações seja doada, incidirá ITCMD à alíquota de 4% sobre o valor patrimonial de R$ 1.000.000,00, representando o custo de R$ 40.000,00.
Em resumo, a transmissão da propriedade de imóveis para os herdeiros por inventário custará R$ 64.000,00, ao passo que a transmissão da propriedade (indireta) por meio da doação de quotas/ações custará R$ 40.000,00 se a sociedade em questão não possuir (i) atividade imobiliária preponderante, e (ii) receita que altere o valor do patrimônio líquido substancialmente.
Ocorre que tamanha vantagem está no radar do fisco estadual que vem apertando o cerco na fiscalização de tais movimentos societários.
Há algum tempo, o TIT vem decidindo no sentido de que a lei se refere, em verdade, ao valor patrimonial “real” da ação/quota, a fim de definir a correta valoração do bem transmitido. Portanto, considera incorreto o valor patrimonial da ação/quota obtido pela divisão do patrimônio líquido pelo número de ações/quotas (como mencionado acima, próximo ao valor de custo) por não aferir o “real valor de mercado” da empresa. Tal entendimento implica utilização do valor de mercado dos imóveis pertencentes à sociedade para fins de apuração do valor patrimonial e, por conseguinte, de base de cálculo do imposto.
Há entendimento judicial majoritário em sentido favorável aos contribuintes, porém ainda sem pacificação pelos tribunais superiores.
A Sefaz/SP tem desenvolvido mecanismos para tornar a fiscalização mais eficiente e mais apurada. A criação da Delegacia Especializada de ITCMD criará uma espécie de pente fino nas operações relativas a ITCMD, o que nos leva a crer que muito em breve todas as doações serão revisadas e suas bases de cálculo ajustadas, nos termos do entendimento da Sefaz/SP.
Como reforço, a Delegacia Especializada de ITCMD contará também com um serviço contratado junto à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para desenvolver uma pesquisa de valor de mercado de todos os imóveis urbanos do Estado de São Paulo, a fim de confrontar com o valor declarado pelos contribuintes.
Conforme informações divulgadas pela própria Sefaz, o projeto de desburocratização do ITCMD foi classificado pelo BID como modelo a ser seguido. Outras unidades da Federação já pediram compartilhamento de especificações do sistema da Sefaz/SP para implantar estrutura similar em seus Estados9.
A equipe do Cível e Societário do Hondatar Advogados fica à inteira disposição para prestar os esclarecimentos necessários sobre a matéria.
Glauber Julian Pazzarini Hernandes
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Priscila da Silva Barbosa
priscila.barbosa@hondatar.com.br
Nota do autor: O presente artigo tem caráter meramente informativo e não reflete a opinião do escritório Hondatar Advogados. Cada caso exige uma análise específica. Apenas para fins elucidativos, todas as alíquotas e cálculos levaram em consideração um imóvel urbano, localizado em São Paulo/SP.