Por Rafael Collachio de Almeida. Não há muito, o Brasil engatinhava na legislação consumerista, lançando mão de uma codificação própria apenas em 1990 – ainda que houvesse alguma regulamentação esparsa nas décadas anteriores -, enquanto os EUA, pioneiros nesse tipo de regulamentação, já buscavam medidas protecionistas antes mesmo da crise de 1929, quando já existiam entidades organizadas de consumidores, em decorrência do nível avançado do próprio consumo das classes mais altas locais e, posteriormente, para maioria da população no welfare state. Esse delay na consolidação de uma legislação dessa natureza levou o ordenamento jurídico a demorar a firmar jurisprudências sobre o tema, assim como tardaram também outras regulamentações, mesmo quando a sociedade já passava a flertar massivamente com tecnologia. À guisa de exemplo, apenas mais recentemente se estabeleceram regras sobre serviços de telemarketing, a fim de resguardar a privacidade do consumidor. Até então, o consumidor era carente de tal regulamentação, ficando refém de uma injustificada discricionariedade das prestadoras desse tipo de serviço. Essas considerações preambulares têm o objetivo de relembrar que o consumidor brasileiro possui traumas recentes no que diz respeito à relação com fornecedores de bens de consumo e serviços. Por isso, o sancionamento do projeto de lei que estabelece adesão compulsória ao cadastro positivo de consumidores (Projeto de Lei Complementar nº 54, de 2019), que altera a Lei nº 12.414/11, pelo Presidente Jair Bolsonaro, no último dia 8 de abril, como era de se esperar, causou certo alvoroço em diversos setores da sociedade civil. Sob o ponto de vista jurídico, o debate se concentra em três principais pontos: (i) a efetiva manutenção do direito à privacidade dos consumidores; (ii) a transparência quanto aos critérios de cadastro dos consumidores; e (iii) a responsabilização dos gestores desses bancos de dados, em caso de violação de informações sigilosas. Tal debate não é em vão, pelas razões históricas mencionas. A medida vem à reboque da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18), o que é salutar, sobretudo por demonstrar esforço do legislador brasileiro em evoluir e buscar equiparação a legislações mais modernas de outros países. Denota-se que, no projeto agora sancionado, há a regulação da proteção da privacidade do consumidor, que tem, por exemplo, a opção de questionar critérios e requerer sua exclusão do banco de dados das empresas gestoras da informação de crédito. A experiência anterior demonstra que a não equivalência de forças entre consumidor e empresas, mais uma vez, deve direcionar ao judiciário a demorada missão de firmar jurisprudências sobre o tema, mormente sobre a responsabilização do agente que vier a lesar o consumidor por não observância da nova legislação, que não é tratada de forma objetiva. Por outro lado, não há que se negar que a Lei do Cadastro Positivo traz grande contribuição no sentido diminuir significativamente o abismo legislativo que distinguia o Brasil de países de primeiro mundo, no que diz respeito à regulamentação de uso de dados. Além do mais, é de se esperar mudanças no hábito dos consumidores, como aumento de confiança, e diminuição de demandas judiciais. A harmonia necessária entre consumidores e empresas de bancos de dados passa pelo esforço de todos – inclusive das organizações da sociedade civil que zelam pelo direito do consumidor e têm a missão de encabeçar campanhas de informação -, para que a finalidade social da Lei do Cadastro Positivo, que é a de promover melhores condições de crédito aos bons pagadores. Rafael Collachio de Almeida é advogado da área societária do Honda, Teixeira, Araujo, Rocha Advogados. |